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Sinopse
[...]
UM TESTEMUNHO IMPORTANTE - SOL EM BALANÇA - A TRADUÇÃO (QUASE COMPLETA)
DA CARTA MISTERIOSA - ALEISTER CROWLEY ESTAVA EM LISBOA NO DIA 24?
Em Novembro do ano passado recebi pelo correio uma circular anunciando
a publicação em seis volumes das "Confissões de Aleister Crowley". O
nome era-me conhecido, como a toda a gente que vive na civilização, pelo vasto
escândalo, erguido pelos jornais ingleses e americanos, que o rodeava. A
circular era interessantíssima. Assinei, com sacrifício, a publicação. Em
princípios de Dezembro recebi o primeiro volume das "Confissões": só
esse e o segundo estão, aliás, ainda publicados. O primeiro volume abre com um
horóscopo de Crowley. Como sou astrólogo, estudei atentamente esse horóscopo,
e, quando remeti aos editores a importância do volume, pus na minha carta uma
nota final: disse lhes que comunicassem ao sr. Crowley que o seu horóscopo
estava errado, devendo ele ter nascido um pouco antes da hora que supunha. De
aí a dias recebi uma carta de Crowley, agradecendo a minha indicação e
achando-a muito aceitável. Assim começaram, à distância, as nossas relações.
Quando em fins de Dezembro, recebi o segundo volume, enviei a Crowley
três folhetos meus, de versos, em inglês que há bastante tempo publicara. Ao
agradecer-mos, Crowley honrou-me com a afirmação de que me desejava conhecer, e
de que aproveitaria a primeira viagem propícia, das muitas que fazia, para me
vir falar. Assim fez. Tendo que sair de Inglaterra por motivos de saúde,
escolheu Portugal — ou, mais propriamente, a Costa do Sol — para estância de
repouso.
Em 29 de Agosto, recebi um telegrama anunciando que chegava no
"Alcântara" e pedindo que o fosse esperar. O "Alcântara"
retido em Vigo pelo nevoeiro, chegou a 2 em vez de a 1 de Setembro. Esperei
Crowley, e encontrei-o, como se combinara. Datam desse dia as nossas relações
pessoais. Crowley vinha acompanhado de uma senhora muito jovem que supus ser
inglesa, mas depois soube ser alemã e chamar-se Hanni Larissa Jaeger. Ficaram
os dois no Hotel de L'Europe, de onde foram, no dia seguinte, para o Hotel
Paris, no Estoril. Encontrei-os (aos dois) só duas vezes depois da chegada —
uma vez no Estoril, no dia 7; outra vez em Lisboa, no dia 9. Depois do dia 9
não tornei a ver Miss Jaeger.
Em 18 de Setembro recebi uma carta de Crowley, escrita do Hotel
Miramar, no Monte Estoril. Dizia me que Miss Jaeger tivera, na noite de 16, um
violentíssimo ataque histérico, que havia sobressaltado o Hotel Paris inteiro;
que em virtude disso tinha vindo para o Hotel Miramar; mas que, na manhã de 17,
Miss Jaeger tinha desaparecido deixando apenas duas linhas a lápis dizendo que
"voltava em breve". No mesmo dia 18 Crowley apareceu-me em Lisboa,
visivelmente preocupado com o desaparecimento de Miss Jaeger. Disse-me que o
que sobretudo o preocupava era a hereditariedade carregadíssima dela, a sua
tendência proclamada para o suicídio, e a convicção em que estava de estar
sendo perseguida por um mago negro chamado Yorke. Achava pois urgentíssimo
descobrir o seu paradeiro.
Como me pareceu realmente importante encontrar Miss Jaeger — cuja
tendência para o suicídio, com ou sem magos negros, não era tranquilizadora —,
fui à Polícia de Segurança, por ser meu amigo o Segundo Comandante, Major
Joaquim Marques, e a este expus a situação e pedi que se fizesse o possível
para encontrar a desaparecida. Ficaram de a procurar, e sei que de facto a
procuraram.
Que eu soubesse, não a conseguiram encontrar. Vejo agora, num jornal,
que a Polícia (não sei qual) descobriu que ela saíra do país no dia 20, a bordo
do vapor "Werra", para a Alemanha, e que era americana e não alemã,
tendo até pedido auxílio monetário no Consulado dos Estados Unidos. Registo e
duvido. O passaporte dela, como o vi e o tinham no Hotel de L'Europe, era alemão.
Crowley ficou em Lisboa, no Hotel L'Europe, desde o dia 18 até ao dia 23,
(salvo Domingo, 21, em que foi jogar xadrez a Sintra). Foi durante esta estada
em Lisboa que lhe falei
mais vezes. No dia 22 disse-me, e no dia 23 repetiu-me, que ia outra
vez para Sintra, com que ficara encantado, e que ali se demoraria alguns dias.
Despediu-se de mim às dez horas e meia do dia 23, à porta do Café Arcada, no
Terreiro do Paço. Nunca mais lhe falei. Quero crer que ainda o vi. No dia 24,
vindo da Estrela, de manhã, no carro que desce a Avenida, vi Crowley ou o seu
fantasma, dobrar a esquina do Café La Gare para a Rua 1° de Dezembro.
No mesmo dia 24, ao atravessar a Praça Duque da Terceira, vi Crowley, ou o seu
fantasma, entrar, com outro indivíduo, para a Tabacaria Inglesa.
Em nenhum dos casos havia tempo, ou até razão, para lhe falar, nem
estranhei muito que viesse a Lisboa um indivíduo que está em Sintra.
No dia 25, passando pelo Hotel de L'Europe, perguntei contudo ao
porteiro se o sr. Crowley efectivamente estava em Sintra. Respondeu-me que sim,
e que se demorava até ao fim da semana. Disse-lhe que perguntava porque tinha
visto o sr. Crowley, no dia anterior, nas imediações da Estação do Cais do
Sodré; a isto o porteiro respondeu textualmente "é que ele deve ter ido
ontem ao Estoril com um amigo que tem em Sintra". Isto, como é de ver,
confirmou a minha impressão de cuja justeza não tinha razão para duvidar de ter
visto Crowley duas vezes no dia 24.
A Polícia Internacional diz que ele passou a fronteira no dia 23. Se
assim é, é assim; e nesse caso não foi a ele que eu vi no dia 24. Eu aceitaria
de bom grado a indicação da Polícia Internacional; aceitaria, de menos bom
grado, a hipótese de que se tratasse de uma mistificação de Crowley, se não
fosse uma circunstância contida na carta achada na Boca do Inferno, que me faz
reverter, em certo modo, à minha impressão primitiva. A carta, traduzida
literalmente, diz o seguinte:
L.G.P.
Ano 14, Sol em Balança
Não posso viver sem ti. A outra "Boca do Infierno" (sic)
apanhar-me-á — não será tão quente como a tua.
Hisos
Tu LiYu.
Explico até onde compreendo, e deixo o importante para o fim. "Ano
14" é sem dúvida o ano presente, na cronologia especial adoptada por
Crowley, e cuja origem desconheço. "L.G.P.", não sei o que é, mas,
pela colocação na carta, deve ser o "nome místico" de Miss Jaeger, ou
as iniciais dele. "Hisos" também não sei o que é, mas também pela
colocação, suponho ser uma "palavra mágica", entendida só pelos dois.
"Tu Li Yu" sei o que é, por Crowley uma vez me ter falado nisso: é o
nome de um sábio chinês, que viveu uns três mil anos antes de Cristo e de quem
Crowley dizia ser a incarnação presente. E agora o ponto importante: a data é o
"Sol em Balança". Ora o Sol entrou no signo de Balança às 18 e 36
minutos do dia 23 de Setembro; nesse signo permanece até cerca de 22 de
Outubro. Essa carta foi portanto escrita entre essa hora do dia 23 e a hora em
que foi encontrada. Data falsa? Não. Um astrólogo pode pôr datas falsas, como
toda a gente, desde que use os algarismos ou formas vulgares. O que nenhum
astrólogo, por motivos que não é lícito revelar, ousaria fazer, é falsear uma
data escrita em sinais dos astros. Aceito que um astrólogo seja tido por louco,
mas então essa superstição é um dos sintomas fatais da sua loucura.
Sobre o facto de Crowley assinar a carta, não com o próprio nome, nem
com nenhum dos seus nomes ocultos ou maçónicos, mas com o nome representativo
do que considera a sua primeira incarnação representativa, ou um seu primeiro
"ser essencial", também haveria algumas observações a fazer, e de
algum modo viriam para o caso . O que aí está, porém, já basta.»
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